Nós, seres humanos, somos estranhos.
De uma maneira que consideramos natural, nos apresentamos como seres realmente estranhos. Estranhíssimos, diria eu. Os exemplos são vários:
Brigamos com os vivos e levamos flores para os mortos;
Lançamos os vivos na sarjeta, mas sempre pedimos um bom lugar para os mortos; Nos afastamos dos vivos, mas nos agarramos desesperadamente aos que morrem;
Ficamos anos sem conversar com um vivo e nos desculpamos e fazemos homenagens quando este morre;
Nunca temos tempo para visitar o vivo, mas temos o dia todo para ir ao velório do morto;
Criticamos, falamos mal, ofendemos o vivo, mas o santificamos quando este morre;
Não ligamos, não abraçamos, não nos importamos com os vivos, mas nos autoflagelamos quando estes morrem…
Como diz o Papa Francisco, aos olhos cegos do homem, o valor do ser humano está na sua morte, e não na sua vida.
É bom repensarmos isto, enquanto estamos vivos!
Dois de novembro, amanhã, é o dia dedicado aos mortos.
É o dia em que a dor da saudade aperta ainda mais o coração.
É o dia em que você costuma se apegar ainda mais àquelas pessoas que em algum momento fizeram parte e tiveram grande importância em nossas vidas e que hoje não se encontram mais aqui.
Mas o dia de finados é também um dia para reflexões.
A morte é ainda assunto tabu, um assunto recalcado e silenciado.
Às vezes escolhemos viver como se a morte não existisse.
Mas, na sociedade atual, a morte é banalizada com as guerras, calamidades, eutanásia, aborto, acidentes…
A realidade é que a morte faz parte da vida.
A morte é – no entendimento de muitos – o fim do curso vital, é uma invenção da própria vida em sua evolução.
Morrer é uma experiência profundamente humana.
Como diz Santa Teresinha, a pessoa não morre, entra na vida.
A morte não é apenas um fim, ela é também – e principalmente – um começo.
É o início do dia sem ocaso, da eternidade, da plenitude da vida.
A vida é imortal, espiritualmente falando. Sem fé, porém, a morte é um absurdo, é um inimigo, uma derrota;
Sem fé a morte é uma humilhação, uma tragédia, um vazio.
Na fé, a morte é irmã, é condição para mais vida, é coroamento e consumação;
Por fim, a morte tem um valor educativo: ensina o desapego da propriedade privada, iguala e nivela todas as classes sociais, relativiza a ambição e a ganância, ensina a fraternidade universal na fragilidade da vida, convida à procriação para eternizar a vida biológica, rompe o apego a circuito fechado entre as pessoas, leva ao supremo conhecimento de si e oportuniza a decisão máxima e a opção fundamental da pessoa.
Para os que creem na eternidade, a morte é porta de entrada da vida, o acesso a uma realidade superior, a posse da plenitude.
Assim a morte é um ganho, verdadeira libertação, uma bênção que livra a vida do tédio.
Mas do ponto de vista racional ou filosófico, a morte é repugnante.
Buda escreveu: “O homem comum pensa com indiferença na morte de um estranho, com tristeza na morte de um parente e com horror na própria morte”.
Outro pensador diz: “Quando morre o filho ou a mulher do próximo, todos dizem: é a lei da humanidade. Mas, quando morre o próprio filho ou a própria mulher, o que se ouve são gemidos, gritos e lágrimas”.
Feliz o poeta que a tudo resume de maneira bem mais prática:
A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte.
E quando existe a morte, não existimos mais.