Como é que se consegue esquecer alguém que se ama? Perguntou certa vez o escritor e jornalista português Miguel Esteves Cardoso.
O problema do amor que se acaba ou se vai é esse. Como esquecer?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém vai embora de repente como é que se faz para ficar?
Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está lá?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar.
As pessoas têm de partir, os tempos têm de mudar sim, mas como se faz?
Como esquecer, afinal?
O próprio Cardoso explica.
Temos que esquecer devagar. É preciso esquecer devagar, bem devagarinho…
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pessoa pode ficar-lhe para sempre.
Pode se por processos e ações de despejo a quem se tem no coração, mas não se pode despejar de repente.
Ela não sai de lá.
A primeira parte de qualquer cura é aceitar que se está doente. É preciso paciência.
O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste.
Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se.
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo.
Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada.
É uma dor que é preciso aceitar. Primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo.
É preciso aceitar o amor e a morte.
É preciso aceitar a separação e a tristeza; é preciso aceitar, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si?
Não adianta fugir com medo da seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injeção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
O que nos dizem é para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte.
Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar.
Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele também se cansar.