Diversas pessoas dependem exclusivamente da farmácia para dar sequência a tratamentos que exigem uso contínuo de medicações
Matéria de Eduardo Costa
A Farmácia de Medicamentos Excepcionais de Teresina, conhecida como Farmácia do Povo, é responsável por distribuir medicamentos especializados mensalmente aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo vinte e uma unidades estão espalhadas em Teresina e no interior do estado, e são de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (Sesapi).
Diversas pessoas dependem exclusivamente da Farmácia do Povo para dar sequência a tratamentos que exigem o uso contínuo de medicações. Nos últimos anos, a farmácia vem se destacando devido à falta de medicamentos no seu estoque. Thalynes Cardoso é uma das prejudicadas. Ela diz se sentir desassistida pela farmácia. A estudante de Direito é diabética e afirma que não recebe os medicamentos há mais de dois meses.
“Tanto eu como vários diabéticos nos sentimos desassistidos. Há mais de dois meses, individualmente falando sobre o medicamento que uso, que não recebo na farmácia. Eu tenho que comprar ou trocar os medicamentos para poder utilizar pois não posso ficar sem. A sensação é de desamparo”, disse.
A Farmácia do Povo deveria oferecer aos diabéticos 19 tipos de insulina, mas atualmente, apenas três estão disponíveis. A presidente da Associação dos Diabéticos do Piauí (ADIP), Jeane Melo, destaca que esse é o pior momento da história da Farmácia do Povo.
“A ADIP lida com essa desassistência há muito tempo. A situação é recorrente e vivemos na escassez. Hoje posso dizer que é o pior momento da Farmácia do Povo, que nunca esteve tão desabastecida. Nós sabemos bem que uma pessoa que faz uso de insulina não pode ficar sem a sua aplicação diária, pois é uma espécie de oxigênio, é a vida do diabético. O governo do Piauí vem matando as pessoas e é um crime contra a vida deixar sem medicação pessoas que possuem doenças crônicas ou imunossuprimidos”, afirmou.
O médico Regi Girão fala do risco que corre o paciente com a interrupção do tratamento que exige o uso de medicação contínua. “A interrupção de um tratamento médico farmacológico, qualquer que seja, é muito prejudicial ao paciente, que pode ter uma piora significativa. Isso se agrava quando falamos de medicamentos de alto custo, utilizados em doenças mais graves, e a medida em que é interrompido o tratamento, tende a piorar e o paciente passa a correr até risco de vida”, pontuou.
Além da dificuldade de receber a medicação, para muitos, existe a dificuldade financeira para buscar outro meio de adquirir os remédios. Pacientes renais que necessitam de hemodiálise, que é um tratamento que consiste na remoção do líquido e substâncias tóxicas do sangue, como se fosse um rim artificial, precisam usar de forma contínua o sacarato de hidróxido férrico para combater a anemia e evitar que o quadro de saúde se agrave.
Mariza Costa, presidente da Associação dos Pacientes Renais Crônicos do Estado do Piauí (APREPI) conta que o medicamento está em falta há seis meses. “Já faz seis meses que não tem o sacarato de hidróxido férrico na Farmácia do Povo, e durante todo esse período o paciente tem seu caso agravado e tendo que tirar do próprio bolso para comprar a medicação. Muitos desses pacientes não têm condições financeiras para isso, vivem de um salário que mal dá para se alimentar. É muita dificuldade que um paciente passa com a falta desse medicamento”, ressaltou.
Não se sabe ao certo quantos medicamentos estão em falta na Farmácia do Povo. Dados do estoque, além de uma entrevista para esclarecer a real situação da farmácia foram solicitados, mas não foram concedidos para essa reportagem. A Associação Piauiense de Pré e Pós Transplantados, através do vice-presidente Mikelson Hirley, informou que até o momento as medicações estão disponíveis, e ressalta ter ciência de que essa não é a realidade da farmácia.
“Nós que somos transplantados estamos recebendo a medicação, mas sabemos que não é a realidade de todos. Tem muitos pacientes que passam dificuldades por falta da medicação necessária e nós como associação, nos solidarizamos e cobramos do governo uma solução imediata dessa situação”, destacou.
O Ministério Público do Estado do Piauí (MPPI) ingressou com várias ações cíveis públicas visando a regularização dos estoques de medicamentos. De 2018 até o momento, foram sete ações. O promotor de saúde Eny Pontes relata que, após diligências na farmácia no ano passado, mais precisamente no mês de abril, foi constatado que 57 medicamentos estavam em falta. E que apesar de receber sentenças favoráveis das ações, o governo do Estado optou por recorrer das decisões judiciais ao invés de recompor o estoque desses medicamentos.
“Diante desse cenário eu resolvi entrar com ações cíveis públicas por falta de medicamentos. Ao todo foram sete. Dessas, nós tivemos liminares concedidas e sentenças favoráveis, mas o governo do Estado apelou sob seus argumentos de que não tinha medicamentos em falta, e que o que estavam em falta era por conta da pandemia e da dificuldade dos fornecedores de entregar esses medicamentos. É uma situação muito grave e o governo do Estado tem que cumprir o seu papel e fornecer os medicamentos a quem precisa “, relatou o promotor de saúde do MPPI.
Eny Pontes aponta a falta de pagamento dos fornecedores como a principal causa da falta de medicamentos na farmácia e pontua que solicitou há um mês a relação completa do estoque de medicamentos da Farmácia do Povo, mas que não teve retorno. Por isso, uma audiência pública será realizada para que essa relação seja apresentada.
“O excesso de burocracia para realização das compras e a falta de pagamento dos fornecedores levam à situação de falta de medicamentos da Farmácia do Povo. Alguns fornecedores entraram em contato com a promotoria relatando o não pagamento das faturas dos medicamentos que foram vendidos ao Estado. Além disso, devido a omissão da administração da Farmácia, marcamos uma audiência para que a diretora da farmácia apresente toda a relação atualizada dos medicamentos em estoque, para que com base nesse extrato possamos tomar alguma providência dentro das sete ações públicas que nós temos”, concluiu Pontes.
Enquanto o Governo do Estado busca justificativas e recorre em esferas judiciais para tentar explicar a falta de medicamentos na Farmácia do Povo, a população que precisa de medicamentos de uso contínuo para realizar tratamentos de saúde fica cada vez mais desassistida, e na maioria das vezes, sem alternativas para solucionar um problema de responsabilidade do Estado.