Ford, o lendário industrial norte-americano, dizia que pensar é o trabalho mais difícil que existe. Pensar é tão difícil, mas tão difícil, que poucos se dedicam a esse trabalho.
No Piauí, por exemplo, estamos abdicando desse direito, estamos abrindo mão do pensar.
E sem pensar não vamos conseguir mudar nada. Vamos continuar bem paradinhos no lugar onde sempre estivemos. Vamos continuar lá atrás, um dos lanterninhas do Brasil em qualquer indicador sério.
Como ninguém pensa, continuamos falando em empréstimos.
E não só falando. Continuamos fazendo empréstimos. Nossa medida para os empréstimos nunca enche e isso não é nada bom. Tem tudo para acabar mal.
Não é preciso nem pensar muito para se chegar a essa conclusão.
Uma rápida olhada nos empréstimos feitos pelo governo do Piauí nos últimos anos mostra-nos um resultado desalentador, afinal nenhum deles cumpriu o prometido. Nenhum deles cumpriu a missão a que se destinava.
O Piauí inteiro sabe disso.
Nenhum deles foi usado em obras e sem as obras os empregos também não vieram.
Estamos insistindo no mesmo erro há muito tempo e, como todos sabem, insistir no erro ou errar duas vezes é burrice. Já erramos demais e pelo visto vamos continuar errando.
Por abdicar da condição de pensar o governo estadual não consegue enxergar outro caminho para salvar a economia piauiense que não seja empréstimo bancário, como se o empréstimo não tivesse um preço muito alto.
O empréstimo que salva o governo é o mesmo que nos empobrece cada vez mais.
Ao parar de pensar e insistir no erro do empréstimo, o governo pode até resolver seu imediato problema de caixa, mas compromete o futuro do Piauí até no longo prazo. Esse dinheiro para cobrir as parcelas do empréstimo no futuro com certeza fará muita falta.
Mais uma vez o prometido não será cumprido.
Precisamos de uma urgente correção de rumos. É fazer isso ou o abismo.
Recuar, mudar de rumos, não é feio. Petrônio Portella, grande político piauiense, morto em janeiro de 1980, dizia – e com razão – que só não muda quem se demite do direito de pensar.
Como abdicamos do direito de pensar, estamos, sem dúvida, comprometendo o futuro do Piauí e dos piauienses.
Como dizia o velho Ford, qualquer pessoa que mantém a aprendizagem continua jovem. A coisa mais importante é manter sua mente jovem sempre jovem.
Infelizmente, no Piauí nossos gestores envelheceram muito rapidamente.
E muito rapidamente também deixaram de pensar. Acomodaram-se.
E o resultado disso tudo é a grande herança maldita que irão nos legar.
Pedido do ouvinte Vanderlei Deolindo
Quando querem transformar
Dignidade em doença
Quando querem transformar
Inteligência em traição
Quando querem transformar
Estupidez em recompensa
Quando querem transformar
Esperança em maldição:
É o bem contra o mal
E você de que lado está?
Renato Russo
O final de semana passado marcou os 23 anos da morte de Renato Russo, um músico e compositor brasileiro que marcou sua época e a todos nós com composições e canções inesquecíveis.
Para muita gente, inclusive gente nascida depois de 11 de outubro de 1996, data da sua morte, Renato não morreu.
Renato Russo não morreu e nem vai morrer.
Renato será sempre um clássico da música brasileira, mesmo nunca abdicando da identidade roqueira.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Se o Brasil continua o mesmo, porque Renato Russo haveria de morrer?
O Brasil de hoje é o Brasil de 1978, quando ele cantou:
“Nas favelas, no Senado
sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação”.
O Brasil de hoje é o mesmo Brasil de 1993, quando Renato Russo cantou:
“Vamos celebrar a aberração
de toda nossa falta de bom senso
nosso descaso por educação
vamos celebrar o horror
de tudo isso — com festa, velório e caixão”
Renato Russo cantou o Brasil de seu tempo e continua cantando o Brasil de hoje, porque o Brasil continua o mesmo. Não mudou nada.
É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez o que destrói.
Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes
O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos…
Como diz seu amigo Arthur Dapieve, Renato vive porque tinha a dimensão da própria genialidade e graças a ela trabalhava de olho na posteridade.
O próprio Renato Russo dizia que se preocupava em fazer um texto que 200 anos depois a pessoa não necessitaria de nota de rodapé para compreendê-lo. Ele fez.
Como expressar nas palavras,
os gestos que queria fazer,
as coisas que gostaria de ver,
os belos amanhecer e entardecer,
e o sombrio morrer…
faltam-se falas.
E todos nós seguimos escutando Renato Russo como se ele fosse um profeta bíblico.
Renato Russo afirmava ter horror a bancar o porta-voz de sua geração, mas acabou se tornando o porta-voz de várias gerações.
Resta-nos continuar ouvindo suas canções.
E nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem.
(A pedido do ouvinte Vanderlei Deolindo)
Quando querem transformar
Dignidade em doença
Quando querem transformar
Inteligência em traição
Quando querem transformar
Estupidez em recompensa
Quando querem transformar
Esperança em maldição:
É o bem contra o mal
E você de que lado está?
Renato Russo
O final de semana passado marcou os 23 anos da morte de Renato Russo, um músico e compositor brasileiro que marcou sua época e a todos nós com composições e canções inesquecíveis.
Para muita gente, inclusive gente nascida depois de 11 de outubro de 1996, data da sua morte, Renato não morreu.
Renato Russo não morreu e nem vai morrer.
Renato será sempre um clássico da música brasileira, mesmo nunca abdicando da identidade roqueira.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Se o Brasil continua o mesmo, porque Renato Russo haveria de morrer?
O Brasil de hoje é o Brasil de 1978, quando ele cantou:
“Nas favelas, no Senado
sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação”.
O Brasil de hoje é o mesmo Brasil de 1993, quando Renato Russo cantou:
“Vamos celebrar a aberração
de toda nossa falta de bom senso
nosso descaso por educação
vamos celebrar o horror
de tudo isso — com festa, velório e caixão”
Renato Russo cantou o Brasil de seu tempo e continua cantando o Brasil de hoje, porque o Brasil continua o mesmo. Não mudou nada.
É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez o que destrói.
Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes
O corpo quer, a alma entende
Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos…
Como diz seu amigo Arthur Dapieve, Renato vive porque tinha a dimensão da própria genialidade e graças a ela trabalhava de olho na posteridade.
O próprio Renato Russo dizia que se preocupava em fazer um texto que 200 anos depois a pessoa não necessitaria de nota de rodapé para compreendê-lo. Ele fez.
Como expressar nas palavras,
os gestos que queria fazer,
as coisas que gostaria de ver,
os belos amanhecer e entardecer,
e o sombrio morrer…
faltam-se falas.
E todos nós seguimos escutando Renato Russo como se ele fosse um profeta bíblico.
Renato Russo afirmava ter horror a bancar o porta-voz de sua geração, mas acabou se tornando o porta-voz de várias gerações.
Resta-nos continuar ouvindo suas canções.
E nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem.
Vinte e sete anos depois de sua morte, a baiana irmã Dulce alcança a glória dos altares, canonizada que foi no ultimo domingo pelo papa Francisco, no Vaticano.
Dulce dos Pobres é a primeira santa genuinamente brasileira. Aqui nasceu, criou-se e morreu.
Irmã Dulce, desde criança dedicou-se inteiramente a cuidar dos outros, sobretudo dos pobres. Ainda menina levava os doentes abandonados nas ruas para sua própria casa.
Dulce era obcecada pelos marginalizados da sociedade e costumava dizer que seu partido é a pobreza. Nunca teve escrúpulos em bater à porta dos políticos importantes do seu tempo, mas sempre para suplicar recursos para os mais necessitados. Dulce, a nossa santa, dedicou suas vida a isso. Daí a merecida honra dos altares.
Irmã Dulce, como escreveu o jornalista espanhol Juan Arias, é o símbolo de um Brasil que está esquecendo os seus pobres.
Sua figura de mulher forte e doce ao mesmo tempo, e sua vida dedicada a ajudar a todos os abandonados, é o que faz com que hoje, sobretudo os pobres, de qualquer fé, vejam na Irmã Dulce alguém que realmente se preocupava com os que mais sofriam.
Antes mesmo de ganhar os altares, Dulce já era santa pela vontade do povo pobre do Brasil.
Irmã Dulce foi uma verdadeira mãe para muitos pobres. Foi uma mãe de verdade, uma mãe que sofria junto a seus filhos abandonados pelas ruas.
Irmã Dulce não foi uma mãe de mentirinha, como as que costumamos acompanhar pela televisão em época de campanhas eleitorais; Irmã Dulce não foi uma política, não pedia votos. Irmã Dulce pedia ajuda para seus filhos desamparados pelo próprio poder público. Fez disso a verdadeira razão do seu viver.
“Habitue-se a ouvir a voz do seu coração. É através dele que Deus fala conosco e nos dá a força que necessitamos para seguirmos em frente, vencendo os obstáculos que surgem na nossa estrada. As pessoas que espalham amor, não têm tempo nem disposição para jogar pedras”, costumava dizer.
Irmã Dulce ainda não completou sua missão, pelo contrário, ela está apenas começando.
Santa Dulce dos Pobres de certo haverá de interceder pelo Brasil.
Haverá de interceder por um Brasil melhor. Haverá de interceder com certeza por um Brasil sem miséria e sem pobres largados no meio das ruas, doentes e com fome.
Santa Dulce dos Pobres haverá de interceder em favor da paz, da paz entre irmãos que hoje vivem uma situação de beligerância eterna.
E como lembrava sempre a própria Irmã Dulce, “Tudo se torna mais fácil quando se tem fé. Não uma fé oscilante, mas uma fé firme naquele que tudo pode e tudo nos concede”.
Santa Dulce dos Pobres, intercedei por nós!
Hoje é o dia da criança.
Pode ser também o dia de cada um de nós – o dia de todos nós – já que há sempre uma criança dentro de cada pessoa.
A criança é sublime.
Nem mesmo os avanços tecnológicos dos tempos modernos conseguem retirar da criança essa condição de unanimidade.
A criança consegue agregar junto a si todas as tendências ideológicas, da extrema esquerda à extrema direita, do pobre ao rico, do branco ao preto.
Todos, sem exceção, amam crianças.
Desde os primórdios é assim.
Desde o tempo em que ser criança era correr descalço pelas ruas empoeiradas, às vezes enlameadas; era jogar bola nos terrenos baldios, tomar banho nos açudes sem o conhecimento dos pais; desde o tempo das brincadeiras de roda, de esconde-esconde.
Sempre foi assim.
Ninguém nega um sorriso, ninguém nega um afago a uma criança, seja ela filha de quem for.
A criança é sublime.
É tão sublime que no Brasil se comemora o seu dia na mesma data em que se festeja Nossa Senhora Aparecida, nossa padroeira.
A criança – como escreveu o poeta e ensaísta português Ruy Belo – está completamente imersa na infância.
A criança não sabe que há de fazer da infância, a criança coincide com a infância, a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono.
A criança mergulha na infância como no mar, a infância é o elemento da criança como a água é o elemento próprio do peixe.
A criança não sabe que pertence à terra,
a sabedoria da criança é não saber que morre, embora morra sempre ao chegar a adolescência.
A criança é tudo isso e muito mais:
A criança é o nosso futuro, desde que a preparemos para tal.
Precisamos cuidar de nossas crianças como se cuida de uma flor.
Precisamos oferecer uma melhor educação a essas crianças para que elas realmente possam representar a esperança de um futuro melhor;
Precisamos oferecer uma melhor assistência a essas pequenas criaturas, principalmente quando se inicia a formação do seu caráter.
Precisamos ensinar às nossas crianças que o que se vê hoje no Brasil não é motivo de orgulho para ninguém, não serve de exemplo nem de referência para formação do caráter de uma pessoa.
Precisamos fazer tudo isso, sob pena da transformação de nossas crianças em adultos insensíveis e alheios às dificuldades humanas.
Que Nossa Senhora Aparecida, a Mãe de Deus, abençoe e proteja a todos.
Hoje também é dia de exaltar Maria, nossa mãe.
Maria é na cristandade inteira o mais nobre tesouro depois de Cristo e nunca poderemos exaltar o suficiente a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda nobreza, com sabedoria e santidade.
Feliz Aquela que acreditou.
O cão é o melhor amigo do homem, todos dizem.
Nada dignificante para nós humanos.
O melhor amigo do homem deveria ser o próprio homem.
Mas aí entram em cena agentes como a ignorância, a arrogância, a inveja e a desonestidade para impedir que o homem tenha no homem o seu melhor amigo, um amigo de todas as horas.
Diante disso, fazer o que?
Já que o homem se recusa, não aceita, não quer ser o melhor amigo do homem, o jeito é apelar para a amizade do cachorro.
E o cachorro não só aceitou sua solicitação de amizade como se fez o nosso melhor amigo, realmente.
O homem, pelo seu mau-caratismo natural, permitiu a ascensão do cachorro na nossa vida até chegar a esse ponto.
Segundo a ciência, esta amizade, esta fidelidade canina ao homem já existe há pelo menos 33 mil anos.
E pelo andar da carruagem essa amizade ainda vai longe, muito longe, para o bem do próprio homem.
Diante da nossa estupidez e da nossa falta de caráter, com certeza o cão continuará como nosso melhor amigo para sempre.
Até mesmo porque o homem insiste em não se reinventar.
Insiste em continuar sendo o que sempre foi.
O cachorro é o melhor amigo no mundo todo, não apenas no Brasil.
Em qualquer lugar do mundo, se você perguntar qual o melhor amigo do homem, a resposta será sempre a mesma: O cão.
Freud já dizia que os cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações.
Milan Kundera, autor de A insustentável leveza do ser, considera que os cães são o nosso elo com o paraíso.
Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentar-se com um cão ao pé de uma colina numa linda tarde, é voltar ao Éden onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz.
O cachorro – garante a própria ciência – previne doenças, inclusive doenças cardíacas.
A presença de um cão melhora a asma, melhora a saúde física e o estresse.
Basta isso para provar que em certas situações é melhor ter um cachorro por perto do que um homem.
Isso, aliás, nos faz lembrar a frase atribuída ao escritor português Alexandre Herculano. “Quanto mais conheço os homens, mais estimo o meu cachorro”.
Enfim, é isso aí.
Até mesmo neste destrambelhado Brasil o cachorro é reconhecido como o melhor amigo do homem.
Vinicius de Moraes em sua eterna boemia, por exemplo, dizia que o melhor amigo do homem é o uísque, mas mesmo nestes momentos rendia louvores ao cachorro.
“O uísque é o melhor amigo do homem. Uísque é o cachorro engarrafado”.
Homenagear o nordestino é homenagear um homem valente, um homem corajoso, um verdadeiro cabra da peste.
Euclides da Cunha escreveu no livro Os Sertões que o nordestino é, antes de tudo, um forte. Ele escreveu a frase depois de acompanhar várias incursões do Exército brasileiro contra um bando de matutos armados – muito mais pela fé do que pelas armas – rechaçar uma a uma as tentativas dos militares de chegar até Antônio Conselheiro.
A partir daí, o nordestino, com a coragem e a tenacidade de seus matutos no sertão baiano, tornou-se um forte na defesa daquilo em que acredita.
Sim, o nordestino é um forte. O nordestino continua sendo um forte, apesar de tudo.
O nordestino é resistente, tão resistente que consegue sobreviver a ação do próprio homem.
Chega a ser quase impossível ser forte diante das agruras que a vida oferece e da insensibilidade dos homens.
Dos homens públicos, principalmente.
Exigir do nordestino uma postura de homem forte é difícil. Mas ele consegue ser.
É até mesmo uma maldade sem tamanho exigir tanto de quem recebe tão pouco.
Afinal, como ser forte num país que nega tudo a seu povo?
Como ser forte sem educação, sem saúde e sem segurança?
Como ser forte sem assistência aos lavradores, aos agricultores, nossos verdadeiros homens do campo?
O nosso sertanejo pode ser o homem desgracioso, pode ser desengonçado e torto, como também foi descrito por Euclides da Cunha, mas continua um homem forte.
O andar sem firmeza, sem aprumo e sinuoso pode até aparentar a translação de membros desarticulados, mas não o deixa fraco.
Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência um caráter de humildade deprimente. Mas é um homem destemido.
A pé, quando parado, o nordestino recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela, mas não tem medo de cara feia.
Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico de que parecem ser o traço geométrico dos meandros das trilhas sertanejas. Mas é valente.
Até que tentam acabar a valentia do nosso sertanejo. Até que tentam eliminar a vontade de lutar do nosso sertanejo, mas ainda não conseguiram.
Substituíram tudo isso por uma ajuda temporária que se fez permanente e que não encaminha ninguém para um futuro decente. Mas o verdadeiro sertanejo resiste.
A esmola pode até criar uma falsa sensação nesses bravos; pode até criar a sensação de que eles agora são vistos pela Nação e finalmente conseguiram melhorar de vida. Mas eles não se abatem.
O bravo e forte sertanejo que Euclides da Cunha conheceu e retratou em Os Sertões felizmente ainda existe.
Apesar de tudo.
O escritor português José Saramago, um dos grandes nomes da literatura mundial, lançou em 1997 o livro “O Conto da ilha desconhecida”.
E lá ele diz que é preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós.
O português tem razão.
Mesmo proporcionando várias interpretações mundo afora, todos concordam que é preciso se afastar do meio para enxergar melhor o problema.
Para ver a ilha é preciso sair, é preciso se afastar mesmo por uns poucos dias ou por um instante apenas.
Esse ver a ilha pode ser um sair da cidade por alguns poucos dias. Pode ser sair do estado ou do país. Pode ser simplesmente uma saída do meio. Sair um pouco do meio em que você vive a sua rotina do dia a dia.
Foi o que fiz.
Afastei-me da ilha por alguns dias – como recomendou José Saramago – e pude ver o que a própria ilha me impedia de enxergar.
Sinceramente, não gostei do que vi.
Nossa ilha é feia, muito feia.
Foi preciso me afastar para enxergar melhor; foi preciso sair para perceber que nossa ilha fede e destoa em praticamente tudo quando comparada com outras.
De centenas de ilhas observadas, nada se parece com a nossa. Aqui tudo é feio.
Enquanto em outras ilhas a população vive alegre e feliz, na nossa ilha vivemos acabrunhados e de cabeça baixa.
Nas outras ilhas a população sabe que tem justiça. Na nossa não.
Nas outras ilhas, preso sonha com a liberdade. Sonha dia e noite em sair da prisão. Na nossa não.
Aqui preso sonha em continuar preso, nem que isso signifique desafiar a própria lei.
Somo diferentes das demais ilhas. E como somos.
De fora podemos realmente enxergar melhor.
Nas demais ilhas, a imprensa – ou boa parte dela – caça corruptos, denuncia ladroes do dinheiro público. Na nossa ilha, apenas proclamamos nossos inocentes. E isto basta. É mais do que suficiente.
Não interessa saber quem é o corrupto, quem é o ladrão. O que nos interessa mesmo é a garantia do nosso espesso manto protetor sobre nossos injustiçados e inocentes. O que interessa mesmo é a nossa verdade, porque a nossa verdade dói bem menos. Aliás, a nossa verdade sequer dói. É de mentirinha.
É realmente preciso sair da ilha para ver a ilha.
Temos que sair de dentro de nós mesmos se realmente queremos enxergar mais longe.
É preciso sair.
É preciso conhecer outras ilhas para avaliar melhor a nossa.
É preciso comparar, por que só assim formaremos uma consciência mais crítica. Ou pelo menos passaremos a sentir vergonha.
E sentir vergonha a estas alturas, sem dúvida, já seria uma grande vitória.