26/11/2024

Os mortos

1 de novembro de 2019

Nós, seres humanos, somos estranhos.

De uma maneira que consideramos natural, nos apresentamos como seres realmente estranhos. Estranhíssimos, diria eu. Os exemplos são vários:

Brigamos com os vivos e levamos flores para os mortos;

Lançamos os vivos na sarjeta, mas sempre pedimos um bom lugar para os mortos; Nos afastamos dos vivos, mas nos agarramos  desesperadamente aos que morrem;

Ficamos anos sem conversar com um vivo e nos desculpamos e fazemos homenagens quando este morre;

Nunca temos tempo para visitar o vivo, mas temos o dia todo para ir ao velório do morto;

Criticamos, falamos mal, ofendemos o vivo, mas o santificamos quando este morre;

Não ligamos, não abraçamos, não nos importamos com os vivos, mas nos autoflagelamos quando estes morrem…

Como diz o Papa Francisco, aos olhos cegos do homem, o valor do ser humano está na sua morte, e não na sua vida.

É bom repensarmos isto, enquanto estamos vivos!

Dois de novembro, amanhã, é o dia dedicado aos mortos.

É o dia em que a dor da saudade aperta ainda mais o coração.

É o dia em que você costuma se apegar ainda mais àquelas pessoas que em algum momento fizeram parte e tiveram grande importância em nossas vidas e que hoje não se encontram mais aqui.

Mas o dia de finados é também um dia para reflexões.

A morte é ainda assunto tabu, um assunto recalcado e silenciado.

Às vezes escolhemos viver como se a morte não existisse.

Mas, na sociedade atual, a morte é banalizada com as guerras, calamidades, eutanásia, aborto, acidentes…

A realidade é que a morte faz parte da vida.

A morte é – no entendimento de muitos – o fim do curso vital, é uma invenção da própria vida em sua evolução.

Morrer é uma experiência profundamente humana.

Como diz Santa Teresinha, a pessoa não morre, entra na vida.

A morte não é apenas um fim, ela é também – e principalmente – um começo.

É o início do dia sem ocaso, da eternidade, da plenitude da vida.

A vida é imortal, espiritualmente falando. Sem fé, porém, a morte é um absurdo, é um inimigo, uma derrota;

Sem fé a morte é uma humilhação, uma tragédia, um vazio.

Na fé, a morte é irmã, é condição para mais vida, é coroamento e consumação;

Por fim, a morte tem um valor educativo: ensina o desapego da propriedade privada, iguala e nivela todas as classes sociais, relativiza a ambição e a ganância, ensina a fraternidade universal na fragilidade da vida, convida à procriação para eternizar a vida biológica, rompe o apego a circuito fechado entre as pessoas, leva ao supremo conhecimento de si e oportuniza a decisão máxima e a opção fundamental da pessoa.

Para os que creem na eternidade, a morte é porta de entrada da vida, o acesso a uma realidade superior, a posse da plenitude.

Assim a morte é um ganho, verdadeira libertação, uma bênção que livra a vida do tédio.

Mas do ponto de vista racional ou filosófico, a morte é repugnante.

Buda escreveu: “O homem comum pensa com indiferença na morte de um estranho, com tristeza na morte de um parente e com horror na própria morte”.

Outro pensador diz: “Quando morre o filho ou a mulher do próximo, todos dizem: é a lei da humanidade. Mas, quando morre o próprio filho ou a própria mulher, o que se ouve são gemidos, gritos e lágrimas”.

Feliz o poeta que a tudo resume de maneira bem mais prática:

A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte.

E quando existe a morte, não existimos mais.

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