Ataulfo Alves, grande compositor mineiro, escreveu em 1956 a música Meus Tempos de Criança, música que ele próprio considerou como a sua grande obra, sua obra prima em 35 anos de carreira.
Na música Ataulfo lembra sua infância na pacata cidade de Mirai, no interior de Minas Gerais, onde viveu até os 18 anos.
A missa aos domingos, a professorinha das primeiras letras, o primeiro amor, as travessuras, o jogo de botão pelas caçadas…
Está tudo lá.
Ataulfo Alves, nessa sua extraordinária composição, além de retratar a vida pacata do interior – igual à vivida por muitos de nós – também chamava a atenção para uma questão que ainda hoje nos intriga.
Por que a gente cresce?
Por que a gente cresce se não sai da gente essa lembrança?
Bom mesmo é ser criança.
Alguém já disse que, quando crianças, sorrimos com tudo em nossa volta, esquecemos o perigo e os riscos.
Simplesmente não nos lembramos do medo da morte e nos agarramos a sorte.
Agarramo-nos a sorte de ter pessoas a cuidar de nós, sem a necessidade de lembrar que é preciso lutar.
Bons tempos os de criança.
Por que, então, que a gente cresce?
A criança não precisa saber de crise política nem de crise econômica;
Não precisa saber de corrupção nem de violência;
A criança não precisa saber de nada da realidade que a cerca.
A criança tem apenas uma obrigação.
A criança tem a obrigação de ser feliz.
Simplesmente isso.
Tem a obrigação de ser feliz.
A grande dúvida hoje reside em saber se nossas crianças são realmente felizes.
Como saber se uma criança é feliz se raramente se tem tempo para ela?
Nesse mundo louco, de muita correria, nem os pais lembram dos filhos.
Entregam-no a uma babá ou à responsabilidade de uma escola.
Os pais nunca têm tempo e geralmente a felicidade da criança passe a ser tarefa de outros.
Estamos terceirizando – por mais incrível que possa parecer – até mesmo a responsabilidade pela felicidade de nossos filhos.
Longe vão os tempos descritos por Ataulfo Alves em sua composição inesquecível.
Longe vão os tempos da missa na matriz, do jogo de botão pelas calçadas;
Longe vão os tempos de Mariazinha, longe vão os tempos daquele sofrimento doído pelo primeiro grande amor que se foi.
Longe, infelizmente, vão aqueles tempos em que todos tinham a obrigação e o dever de ser feliz.
Ficaram, como na música de Ataulfo Alves, apenas as saudades e a pergunta ainda sem resposta:
Por que mesmo que a gente cresce?