Homens que faziam segurança do presidente na capital italiana deram socos e empurraram repórteres
Jornalistas brasileiros que acompanham a visita de Jair Bolsonaro a Roma foram hostilizados pelo presidente e agredidos na noite deste domingo (31) por homens que faziam a segurança do chefe de Estado brasileiro durante caminhada no centro da capital italiana. As agressões foram dirigidas a jornalistas da Globo, Folha e UOL.
O primeiro incidente envolveu jornalista Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha de S. Paulo, que relatou ter sido empurrada por um segurança quando aguardava em frente à embaixada brasileira na capital italiana, onde Bolsonaro está hospedado.
Pouco depois, Bolsonaro deixou o prédio e fez uma caminhada improvisada para se encontrar com algumas dezenas de apoiadores que se concentravam em frente à embaixada. Um tumulto se formou no local.
Neste momento, os jornalistas se aproximaram para tentar fazer perguntas e foram afastados de maneira violenta. O correspondente da Globo, Leonardo Monteiro, questionou Bolsonaro sobre o motivo do presidente não ter comparecido aos eventos do G20 na manhã deste domingo. “É a Globo? Você não tem vergonha na cara….”, disse Bolsonaro.
Em seguida, Monteiro recebeu um soco no estômago de um segurança e foi empurrado com violência. O jornalista Jamil Chade, do UOL, começou a filmar a violência contra os jornalistas. Neste momento, um segurança o empurrou, agarrou o braço para torcê-lo e levou o celular. Logo depois, jogou o aparelho num dos cantos da rua, segundo o relato do jornalista.
Chade também questionou Bolsonaro por qual motivo ele não irá para a Cúpula do Clima (COP26), em Glasgow. O presidente respondeu: “não te devo satisfação”.
Antes mesmo do início do tumulto, uma assistente da Globo que esperava para gravar imagens do presidente sofreu intimidação e foi alvo de gritos de “infiltrada” por apoiadores do presidente. Com o tumulto, o passeio de Bolsonaro durou cerca de dez minutos.
O presidente brasileiro foi a Roma para participar da cúpula do G20. Em contraste com outros líderes, sua agenda tem sido bastante vazia e o presidente tem gastado uma boa parte do seu tempo com passeios e encontros com apoiadores. Esse foi o terceiro passeio de Bolsonaro nas ruas capital italiana em três dias.
O comportamento agressivo dos seguranças não foi estendido aos apoiadores do presidente. Segundo um jornalista da BBC Brasil, pessoas com as cores do Brasil tinham permissão para se aproximar do presidente. Parte dos apoiadores também xingou e intimidou os repórteres. Segundo os relatos dos jornalistas, não ficou claro se os responsáveis pelas agressões eram policiais ou seguranças particulares.
Esse não é o primeiro incidente envolvendo agressões físicas e verbais a jornalistas que desagradaram a Bolsonaro.
Em janeiro, relatório divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) apontou que Bolsonaro protagonizou 175 ataques contra a imprensa em 2020. Em maio daquele ano, em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente mandou um jornalista da Folha “calar a boca”. Em agosto do mesmo ano, disse a um jornalista que tinha “vontade de encher tua boca com porrada, tá? Seu safado”.
Também são comuns agressões físicas e verbais por parte de apoiadores do presidente, que muitas vezes estimula os ataques. Em julho deste ano, a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) incluiu Bolsonaro numa lista de 37 líderes de todo o mundo que a organização considera “predadores da liberdade de imprensa”. A lista inclui ainda os chefes de Estado da Síria, Bashar al-Assad, e da China, Xi Jinping.
Após as agressões, o jornal Folha de S. Paulo divulgou nota condenado a atitude dos seguranças do presidente. “A Folha repudia as agressões sofridas pela repórter Ana Estela de Sousa Pinto e outros jornalistas em Roma, mais um inaceitável ataque da Presidência Jair Bolsonaro à imprensa profissional.”
“Esse episódio lamentável é reflexo direto dos atos do presidente. O comportamento dos seguranças espelha o de Bolsonaro, que reage com violência a quem simplesmente cumpre sua função ao seguir seus passos e o submeter a um contraditório que ele sempre busca evitar”, disse Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.
A Rede Globo, por sua vez, apontou que “é a retórica beligerante do presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas que está na raiz desse tipo de ataque”. Confira alguns trechos do editorial:
A Globo condena de forma veemente a agressão ao seu correspondente Leonardo Monteiro e a outros colegas em Roma e exige uma apuração completa de responsabilidades.
Quem contratou os seguranças? Quem deu a eles a orientação para afastar jornalistas com o uso da força? Os responsáveis serão punidos? A Globo está buscando informações sobre os procedimentos necessários para solicitar uma investigação às autoridades italianas.
No momento, ficam o repúdio enfático, a irrestrita solidariedade a Leonardo Monteiro e demais colegas jornalistas de outros veículos e uma constatação: é a retórica beligerante do presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas que está na raiz desse tipo de ataque.
Essa retórica não impedirá o trabalho legítimo da imprensa. Perguntas continuarão a ser feitas, os atos do presidente continuarão a ser acompanhados e registrados. É o dever do jornalismo profissional. Mas essa retórica pode ter consequências ainda mais graves. E o responsável será o presidente.
Fonte: DW Brasil